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Nova Cozinha Nórdica: conheça o movimento de transformação da gastronomia dinamarquesa

Por muito tempo, a culinária dinamarquesa não despertava atenção fora do país. “Era uma comida pesada, gordurosa, com molhos espessos e verduras congeladas. Realmente não era famosa. Além disso, estava muito industrializada”, lembra Marie-Sophie Grønlund, chef franco-dinamarquesa. Foi com essa constatação que ela iniciou sua apresentação no Laboratório Culinário 2 do Projeto Intercâmbio Amazônia, em Belém. A atividade propôs um diálogo entre os sabores nórdicos e a riqueza da gastronomia amazônica, em um encontro de saberes que ultrapassa fronteiras e celebra a diversidade alimentar.

Segundo Marie-Sophie, a virada de chave na cozinha da Dinamarca começou quando um jovem dinamarquês, Claus Meyer, ao viver como empregado em uma família na França, percebeu o valor que os franceses davam ao ato de cozinhar. “Ele viu como as pessoas se importavam com a comida, passavam horas cozinhando. Voltou decidido a levar essa mentalidade para a Dinamarca. Mas descobriu que estava errado: não dá para pegar a cultura de um lugar e colocar em outro. Existe o terroir, o solo, os produtos, a biodiversidade, a cultura”, explica.

Mas o jovem não desistiu. Da experiência surgiu, no entanto, em 2004, o movimento da Nova Cozinha Nórdica (Det nye nordiske køkken, em dinamarquês), que propõe uma culinária baseada na simplicidade, no respeito às tradições e na inovação consciente. A ideia era valorizar os ingredientes locais e sazonais, sem recorrer a excessos técnicos ou visuais e com isso, remodelar a forma como os países nórdicos estavam desenvolvendo sua cultura alimentar. “Não precisava de fogos de artifício. Era sobre valorizar os ingredientes locais. Até usamos referências de fora, como as técnicas japonesas de corte de peixe, mas aplicadas aos nossos produtos”, explica a chef Marie-Sophie.

O chef dinamarquês Claus Meyer foi um dos precursores da Nova Cozinha Nórdica.

O movimento foi consolidado com a criação do Manifesto da Nova Culinária Nórdica, um documento estruturado em dez pontos, assinado por 12 chefs renomados. O manifesto visava estabelecer uma nova identidade gastronômica para os cinco países nórdicos (Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Islândia) e três regiões autônomas (Groenlândia, Ilhas Faroé e Åland), promovendo uma cozinha ética, sustentável e profundamente enraizada na cultura local.

Ela conta que no início, a ideia de cozinhar só com insumos locais foi recebida com ceticismo. “As pessoas achavam uma loucura: como cozinhar sem azeite de oliva em um país tão frio? Mas logo vimos que tínhamos maçãs, ameixas e frutas silvestres capazes de surpreender”, disse.

A guinada consolidou-se com o Noma, restaurante que se tornou símbolo da revolução culinária e inspirou jovens chefs a abrir seus próprios espaços. “Nos anos 80, quando queríamos comer bem, íamos atrás de cozinha francesa ou italiana. Hoje valorizamos nossos restaurantes locais. E esse movimento criou um efeito dominó, com muitos outros estabelecimentos sendo abertos com a mesma filosofia”, relatou Marie. 

O Noma foi premiado com três estrelas Michelin e foi eleito o melhor restaurante do mundo em 2010, 2011, 2012, 2014 e 2021. Mas o restaurante fechou em dezembro de 2024 e se transformou em um laboratório culinário, o Noma Projects. 

O restaurante Noma, em Copenhagen, consolidou as propostas e experimentações da Nova Cozinha Nórdica. Foto: Dresling Jens/AP

Para Marie-Sophie, o que começou na Dinamarca na verdade é um princípio universal sobre cultura alimentar local, com valorização da biodiversidade e dos produtores de cada país. “Não se trata apenas de comida nórdica. Hoje há quem faça culinária mexicana ou espanhola com os mesmos princípios: valorizar os ingredientes locais e conservar a natureza.”

O impacto ultrapassou os pratos e alcançou a economia. “De repente, as pessoas começaram a visitar Copenhague só para comer. Isso criou mercado para produtores e transformou a cidade em um polo turístico gastronômico”, conclui.

Manifesto

O Manifesto da Nova Cozinha Nórdica estabelece em 10 pontos os princípios que norteiam esse movimento gastronômico. A proposta valoriza ingredientes locais e sazonais, práticas sustentáveis e éticas na produção de alimentos, além do respeito profundo pela herança culinária dos países nórdicos. Seu objetivo central é desenvolver uma cozinha que seja pura, fresca, saudável e saborosa, explorando as particularidades do clima, das paisagens e das águas nórdicas, ao mesmo tempo em que inova com base nas tradições e se abre para influências internacionais.

Foi no “Simpósio de Culinária Nórdica”, em novembro de 2004, que a visão para uma nova culinária nórdica foi discutida e o conteúdo do manifesto foi formulado. O simpósio em Copenhague, realizado em colaboração com o Secretariado do Conselho de Ministros Nórdico, contou com a presença de chefs, agricultores, políticos, representantes da indústria alimentícia e outros profissionais da área de alimentos de toda a região nórdica.

OS OBJETIVOS DA NOVA COZINHA NÓRDICA SÃO:

  1. Expressar a pureza, a frescura, a simplicidade e a ética que desejamos associar à nossa região.
  2. Refletir as mudanças das estações nas refeições que preparamos.
  3. Basear nossa culinária em ingredientes e produtos cujas características são particularmente próprias dos nossos climas, paisagens e águas.
  4. Combinar a busca pelo bom sabor com o conhecimento moderno sobre saúde e bem-estar.
  5. Promover os produtos nórdicos e a variedade de produtores da região – e divulgar as culturas que lhes dão origem.
  6. Promover o bem-estar animal e processos de produção responsáveis em nossos mares, campos agrícolas e ambientes naturais.
  7. Desenvolver possíveis novas aplicações para produtos alimentares tradicionais nórdicos.
  8. Combinar o melhor da gastronomia e das tradições culinárias nórdicas com influências do exterior.
  9. Unir a autossuficiência local com o compartilhamento regional de produtos de alta qualidade.
  10. Reunir esforços com representantes dos consumidores, outros profissionais da culinária, agricultura, pesca, indústrias alimentares, comércio varejista e atacadista, pesquisadores, educadores, políticos e autoridades neste projeto, para o benefício e vantagem de todos os países nórdicos.

Melting Pot Foundation

O mobilizador da Nova Cozinha Nórdica, Claus Meyer, também é o fundador da Melting Pot Foundation, uma organização não governamental sem fins lucrativos criada em 2011. Com base no princípio da hospitalidade incondicional, a fundação atua com o propósito de construir um mundo mais justo, onde ninguém seja deixado para trás. Seus projetos unem gastronomia, inclusão social e educação como ferramentas de transformação.

“Criei a Fundação Melting Pot para retribuir. Temos uma fé incondicional de que todo ser humano pode se tornar uma fonte de progresso para os outros, e acreditamos na hospitalidade e no prazer da boa comida como alavancas para desenvolver potenciais sociais, culturais, ambientais e econômicos”, declarou Meyer no site da instituição.

Saiba mais em: https://www.norden.org/da/information/nordisk-koekkenmanifest 

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